quarta-feira, 14 de abril de 2010

"Diz se é perigoso a gente ser feliz..."

O título do post de hoje é um verso extraído de "Beatriz", música de Chico Buarque. Há poucos anos, sentado numa carteira de faculdade, uma professora nos apresentou essa canção. Para alguns, já conhecida; pra mim, uma triste surpresa.

De cara, o que me chamou a atenção foi o nome - Beatriz. Há tantas músicas no repertório popular brasileiro com nomes femininos... Ana Julia, Gabriela, Daniela, Natasha... nomes aparentemente comuns, terminados em vogais, fáceis de construir rima. No entanto, Beatriz, nome um pouco mais elitizado e terminado em consoante 'z', e convenhamos, a última letra do alfabeto. Sim, última.

Começa a música... "Olha... será que ela é moça... será que ela é triste... será que é o contrário... será que é pintura... o rosto da atriz...". Meu Deus. Seis versos e eu já estava passando mal.

Continuando... "Se ela dança no sétimo céu... se ela acredita que é outro país... e se ela só decora o seu papel... e se eu pudesse entrar na sua vida...". Nesse momento, dez versos depois, olhei ao redor. Percebi olhos indiferentes, esperando a música terminar. Eu não olhava pra ninguém e ninguém me olhava. Beatriz, num sábado à tarde, era para poucos. Era para mim.

Segunda estrofe... "Olha... será que é de louça... será que é de éter... será que é loucura... será que é cenário... a casa da atriz...". Pronto. Eu já sabia. Comecei a chorar. Confesso que não me importei em estar em meio a algumas pessoas, a maioria colegas apenas, sem grandes intimidades. Chorei mesmo. Coloquei o rosto sobre as mãos e deixei aquela música tocar, e ela tocou em mim.

"Se ela mora num arranha-céu... e se as paredes são feitas de giz... e se ela chora num quarto de hotel... e se eu pudesse entrar na sua vida....". "Isso é tortura", pensei comigo. Eu era Beatriz. Era a minha história. A música continuou, mas não prestei mais atenção. Eu só queria chorar. Os relógios provavelmente marcavam umas dezesseis horas, e faltava pouco para irmos embora. Eu não queria ir. Queria apenas que algo acontecesse. Queria que todas as lágrimas caídas há uma semana num quarto de hotel, assim como dizia a música, se unissem e lavassem essa memória algoz.

Voltei a prestar atenção na música novamente... "Diz se é perigoso a gente ser feliz.... olha... será que é uma estrela... será que é mentira... será que é comédia... será que é divina... a vida da atriz...". Não, eu já não aguentava mais. Um simples derramar de lágrimas virou um choro visivelmente sonoro atraindo a atenção de todos. Ouvi dizerem... "o que ele tem?"... Não interessava o que eu tinha, mas o que eu sentia. Um desespero, uma vergonha, era a minha história, ali, pra todo mundo ouvir.

"Se ela um dia despencar do céu... e se os pagantes exigirem bis... e se um arcanjo passar o chapéu... e se eu pudesse entrar na sua vida...". Fim. A música parou e eu continuei. Estava em estado de choque. A platéia estava a me observar, ou seja, os pagantes, e exigiam bis daquele momento, queriam que Beatriz despencasse de uma vez por todas naquele momento constrangedor. Levantei o rosto, olhei as sobrancelhas eriçadas de cada um a me analisar caladamente. Uma pessoa naquela sala não me olhou apenas com os olhos. A professora, vestida num casaco marrom, me observava e enfim afirmou: "Você sabe quem é Beatriz", sorrindo lentamente após dizer isso.

Eu sabia, com certeza. Há muitas Beatrizes no mundo, assim como eu. Beatrizes cujas vidas são permeadas de "se", de condições, que são hipotéticas, que apenas decoram seu papel nesse mundo... que brincam de atuar, que encenam, que são frágeis, de louça... que moram num cenário, numa ilusão, que em minutos é desmontado e entregue às forças do tempo... que são estrelas, divinas, que chamam a atenção e que muitos abusam desses predicativos para 'passarem o chapéu' e coletarem o resto da sua vida medíocre, doa a quem doer.

Só vai doer a quem se render à atriz. Beatriz.

domingo, 11 de abril de 2010

"Sunday, bloody sunday"

Sim, após muito tempo (quase dois anos), eis que a alma responsável por este blog volta às origens e dá início a um novo sopro de vida.
Recomeçar é sempre muito difícil, no entanto, repito a célebre citação de Clarice também existente na última postagem: "Escrever é uma forma de não mentir o sentimento". Talvez seja por isso que eu esteja aqui novamente. Há algo mais forte do que eu que me obriga a escrever compulsivamente, principalmente num dia triste e frio, como hoje.
Este blog repousou sua tempestuosidade nos mares da internet por quase dois anos, e não foi à toa. Havia uma válvula de escape humana, semanalmente, responsável pela minha sanidade mental durante todo esse tempo. Como não tenho mais, por razões óbvias e particulares, utilizo-me desse espaço como um vento forte responsável a fim de assoprar, para bem longe, as nuvens que enegrecem minha história.
Já é tarde e não sei se me sinto à vontade o suficiente para escrever sobre esse domingo paradoxal. É incrível como as redes de relacionamento das quais eu faço parte estão abarrotadas de pessoas e, mesmo assim, é como se eu estivesse sozinho no mundo.
Ontem à noite tive uma experiência completamente fora da mesmice de minha rotina. Uma amiga e eu fomos a uma cidade vizinha compartilhar de uma noite fria com mais dois amigos, sendo um deles, para mim, ainda desconhecido. Numa distância de 60Km surgiram assuntos que iam desde buquê de rosas enviadas anonimamente a sexo anal. Momentos depois, sentados os quatro numa mesa de barzinho, desfrutávamos prazerosamente de petiscos e bebidas, que variavam conforme o grau de ludicidade dos presentes: caipirinha, vodca e refrigerante. Fizemos um brinde às coisas mais insanas e mundanas no mundo. Até então, parecia tudo normal.
Há pessoas que dizem que os olhos são o espelho da alma. O que acontece se você for portador de óculos e consegue, de maneira natural, disfarçar o que realmente se passa naquele momento, como uma máscara responsável por filtrar aquilo que está sendo captado ao seu redor? Pois é mais ou menos isso. Desde minha última ida à São Paulo, em Fevereiro, ontem foi a noite em que eu mais me diverti. O bom de se conhecer pessoas novas é perceber o quanto o ser humano é maravilhoso e individual, não sendo necessário saber de onde vem nem pra onde vai para transformar aquela nova pessoa em seu amigo. Foi incrível. Há muito tempo eu não ria tanto. Mas é claro que, no fundo, eu sabia que hoje iria enfrentar uma sansão mais do que negativa. A ausência dos meus amigos ao meu lado.
A noite se encerrou no apartamento de meu novo amigo. Nossa conversa iria longe se não fosse tarde da noite e o incômodo frio que nos remetia a uma cama quente. Mas já era domingo, e eu voltaria pra casa. Aquilo seria findado em poucos minutos e uma velha estrada escura me traria de volta a uma realidade cruel. Eu retornaria a um mundo repleto de deveres a serem cumpridos e que não poderiam ser feitos numa mesa de bar. Prometemos nos reunir de novo para uma nova rodada de risos e bobagens. Tudo isso, sim, parece uma grande bobagem de minha parte, entretanto, um momento singular, regado à Madonna, fotos, risos e à interatividade de um lindo labrador de olhos expressivos.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Manhã ébria


Resolvi acordar cedo e escrever. Ontem, relendo uns e-mails enviados, me deparei com algo que fazia tempo que não lia. É uma citação de Clarice Lispector que diz "Escrever é uma forma de não mentir o sentimento". Puxa... como isso é verdade... Com o passar dos dias, percebo que somente escrevo quando estou triste, diferente de algumas pessoas que escrevem a qualquer momento. É inevitável que todo meu sentimento de tristeza se expresse por meio dessas palavras, pois nem todo mundo que escreve é um "fingidor", principalmente "fingindo ser dor", como diz Fernando Pessoa. Por mais que alguns escritores consigam transcender a tal forma de mostrarem-se tristes em alguns momentos, é difícil acreditar que isso se equipare à real tristeza, como essa que sinto nesse momento.


Tive uma surpresa muito boa na terça-feira à noite. Felizmente tive uma notícia a qual eu ansiava por, pelo menos, seis meses: um retorno que, naquele momento, era equivalente a um valioso prêmio na loteria. Entretanto, disseram-me que a verdade deveria ser dita antes de eu realmente manifestar meus mais sinceros sentimentos. Assustei-me com esse discurso. Parecia algo grave, como se eu tivesse sido enganado por todo esse tempo.



Hoje é sexta-feira. Passei o dia de ontem inteiro pensando como seria nosso fim de semana, afinal, mataríamos a saudade um do outro. Mas não. Ao conversarmos novamente, notei que havia um certo medo de me encontrar tão cedo e, apesar de ter dito que queria abrir o jogo pra mim, sentia que realmente queria fazer isso, mas que temia pelo momento, ou por mim, talvez.



É, acho que dessa vez será o fim. Eu não aguento mais isso. Meus sentimentos parecem viver numa eterna montanha-russa. Às vezes estou lá embaixo, como agora, olhando pra cima e vendo aquele emaranhado de ferros colocados uniformemente, vindo em minha direção. Parece que nunca chegarei ao topo. De repente, quando menos espero, lá estou, e o barulho da engrenagem, que antes era bastante monótono, transforma-se num ensurdecedor grito de desespero, pois estou a despencar novamente, a toda velocidade. Não há controle sobre isso, pois eis que estou lá no alto novamente, mais tranqüilo, como se alguém me afagasse. Mas os momentos de glória são restritos, e uma nova queda se aproxima, e logo após uma curva que me joga pra esquerda, depois pra direita... Era um mecanismo que testava minha coragem e me dilacerava a cada movimento brusco. A maioria das pessoas se deixam levar pela montanha-russa. Levantam os braços, gritam, agem como se aquilo fosse passageiro. Eu não. Há em mim um mecanismo de defesa que me faz segurar firme, não olhar para os lados e, se possível, fechar os olhos. A única coisa que não consigo controlar é o som dos gritos dos que estão ao meu redor naquele vagão, gritos estes que zombam de mim por eu ser diferente deles. Eu tinha medo de cair do carrinho. A cada movimento mais intenso, minhas pernas batiam na lateral do compartimento, e eu continuava a ouvir o grito dos outros. Porém, a realidade, às vezes, te coloca em xeque, e você é obrigado a agir da maneira como não deseja. O vento proveniente da velocidade do carrinho forçava meus lábios a se abrirem e ensaiarem um provável sorriso. Isso é o pior de tudo, pois eu não tinha motivos para gritar de alegria como os outros, e muito menos sorrir.



Enfim, terra firme. Desço o quanto antes e fico a observar os outros. Uns, descabelados; outros, rindo e querendo fazer uma nova viagem. Garotos e garotas sabem de mãos dadas, apoiando-se uns aos outros. Cada um de um jeito, mas todos felizes. Só eu estava triste. Embora eu estivesse com as pernas bambas assim como eles, eu não tinha em quem me apoiar naquele momento. Apenas no frio pilar da estação.



Parece que altos e baixos eram coisas corriqueiras na vida daquelas pessoas. Era impressioante como se recuperavam rápido daquela turbulência, pois, alguns passos depois, os cabelos já não estavam mais desgrenhados e todos andavam naturalmente. Menos eu. Não conseguia sair dali. Queria descobrir se encontraria alguém que saísse da montanha-russa tão abalado como eu. Esperei o retorno do próximo vagão. Um assistente veio em minha direção e me indagou se queria um pouco d'água, pois aparentava não estar bem. Recusei e agradeci. Ansiava pelo próximo vagão, queria ver se alguém era como eu. Ele chegou, enfim. Todos desceram e a mesma cena se repetia. Pessoas descabeladas, pessoas de perna bamba... mas todos felizes. Mas um fio de esperança correu nas minhas veias. Um rapaz, que estava lá no final, parecia diferente dos outros. Nossa, que alívio. Alguém que pudesse me fazer companhia, nem que fosse imaginária. Saber que outra pessoa além de mim saía da montanha-russa meio transtornado me deixava conformado. Não me sentia mais uma aberração. Tudo em vão. Passos depois, ele já estava recomposto. Passou por mim, desceu a escadaria e o perdi de direção.



Vagões partiam e chegavam... pessoas iam e voltavam, subiam e desciam, gritavam e sorriam... e eu ali, mas já sem esperança. Só agora percebi que havia algo a mais que doía em mim. As pernas. Bateram tanto na lateral do carrinho que só agora, com o corpo frio, manifestaram-se. Era mais uma prova de que o subir e o descer nos deixavam feridas, expostas até. Só que algumas pessoas lidavam muito bem com isso, nem se importavam, na verdade. Como se isso fosse natural na vida delas. Mas pra mim, não. A instabilidade me deixava cada vez mais alucinado e distante daquilo que mais queria: alguém que pudesse se sentar ao meu lado no carrinho e vivenciasse comigo as alegrias e os disabores desse mundo.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Hijo de la Luna...


Hoje acordei cedo. É que ontem, por incrível que pareça, fui pra cama meia-noite e dez. Há quase um mês eu não partia para os braços de Morfeu antes das duas da manhã, por isso até fiquei surpreso. Mas antes disso, eu precisava fazer algo que estava me incomodando: organizar o quarto. Nossa, e como estava bagunçado! Havia livros por todos os lados, mal tinha espaço para eu me deitar na cama, sem contar os sapatos todos espalhados. Uma vez, li num site que a gente não deve dormir com o quarto bagunçado, pois isso influencia na qualidade do nosso sono. Bem, não que eu seja supersticioso, mas toda vez antes de dormir eu arrumo o quarto... principalmente ontem, pois eu pretendia dormir muito bem para enfrentar mais esse dia. E não é que deu certo? Dormi por seis horas profundamente, mas não sonhei. Ainda bem. Ultimamente, tenho tido uns sonhos muito horríveis, pesadelos, na verdade. Noite retrasada, sonhei com pessoas nuas descendo de uma árvore em meio a uma forte chuva, e detalhe, uma dessas pessoas era um velho amigo de infância que já não vejo a uns oito anos, mais ou menos. Acordei meio risonho. Afinal, nao era todo dia que eu sonhava com pessoas nuas descendo de uma árvore.. (risos).. até porque, essa cena é bastante bizarra.

Meu quarto ainda está escuro. Já passa da metade da manhã e não me deu vontade de abrir a janela. Há algo lá fora que não quero ver. O sol? Talvez... embora seja indispensável para nossa sobrevivência, não é a minha estrela predileta. Prefiro a Lua, mas nem sei se ela estará visível hoje durante o dia, e por mais que estivesse, seria ofuscada pela estravagância do astro-rei.

Falando em sol, vi uma animação na internet há alguns dias e fiquei assustado com a nossa insignificância perante essa vida. Tratava-se de uma comparação entre o tamanho dos nossos planetas com algumas outras estrelas existentes no universo. Fiquei perplexo, não apenas por saber que nosso sol é um mísero graozinho se comparado a Antares, mas pelo fato de que, se eu abrir aquela janela agora e tentar olhá-lo, será bastante difícil, pois, para os pobres terráqueos, aquela estrela é algo que nos assombra, como se fosse possuidora de nossas vidas. Daí eu me lembro de que há outras muito maiores, muito mesmo, fazendo com que a gente, praticamente, tenha uma existência quase que patética.

Devo me esconder da realidade? Não sei se consigo.. a janela fechada talvez seja ainda pelo medo que tenho de ver as coisas como elas realmente são.

Hoje prefiro à Lua ao sol, conseqüentemente, a noite ao dia. Mas quando criança, me recordo de uma novela em que havia um personagem que, nas noites de lua cheia, tinha que se trancar numa gaiola, pois, quando nasceu, sua mãe o ofereceu como afilhado à Lua, e ela o queria lá nas alturas de qualquer forma. Eu tinha pavor dessa novela, inclusive da trilha sonora dessa cena, que até hoje me dá certos arrepios. Hoje me recordo disso e vejo que o autor da novela teve como base a história de uma antiga ópera, mas isso não vem ao caso. O que mais me impressionava era como as cenas eram feitas. O rapaz começava a suar, gritar, tinha que sair correndo e se amarrar ou trancar em algum lugar, pois, assim que a lua cheia aparecesse, ele começaria a subir a qualquer momento, meio que hipnotizado.

A novela já havia acabado e eu mal podia ver a lua fora de casa. Me aterrorizava, me fazia dormir com a cabeça coberta nas noites mais quentes como medo de que ela me levasse. Tudo isso embalado àquela música da cena, instrumental, que me fazia correr e fechar as janelas quando sabia que, naquela noite, encontraria a lua cheia no céu.

Passado muitos anos, hoje a Lua é algo que me chama muito a atenção. Cheia, principalmente. Assim que aponta no horizonte, no início da noite, corro e fico a observá-la, quando possível. Gosto de ver aquela cor, diferente de quando ela já está bem alta no céu. É como se ela tivesse estreado aquele momento aos nossos olhos, envolvida numa nebulosidade cor de laranja. Puxa, como aquilo é bonito! Fico imaginando as pessoas que moram no campo, cuja visibilidade desse momento deve ser bem melhor do que a nossa. Fico imaginando a força da luz que deve iluminar aquele breu assustador dos arredores...

Entretando, o sol, por mais que seja muito menor do que outras estrelas por aí, numa questão de hierarquia, é superior à Lua. Ainda por cima, todo esse luar que me fascina, ironicamente, só acontece devido ao sol, que a ilumina, refletindo sobre mim essa luz solar disfarçada de beleza.

Sol, realidade. Lua, realidade passional.

domingo, 27 de julho de 2008

Esquadros...

E mais um aniversário se finda. Um pouco diferente do ano passado... sem enxaqueca, sem cheiro algum. Acordei com uma mensagem no celular vinda de uma velha amiga. Levantei, abri a janela. Nenhuma nuvem no céu. O tempo árido dessa época do ano me deixa meio ébrio, meio depressivo. Arrumei a cama, desfiz a mala da viagem, juntei as roupas sujas e o lixo, passei pela sala, brinquei com a gata que ronronava no canto do sofá e saí para o quintal, observando aquele céu azul e esfumaçado. Era como se eu procurasse uma resposta pelo que me passava naquele momento, algo que viesse e me trouxesse aquilo que eu mais queria.
Recebi abraços das pessoas de casa, além de uma amiga que me fez uma agradável visita. Cortamos um bolo encomendado pelo meu pai, mas me recusei a ouvir o "Parabéns pra você", pois eu, sinceramente, não tinha muito o que comemorar. Comemos, bebemos, rimos um pouco e a noite se fez aos meus olhos pela janela da sala. O meu aniversário estava acabando, e a sensação de vazio era maior do que de manhã.
O telefone tocou. Saí correndo, pois ansiava pelas felicitações vindas da pessoa que mais amo. Não era quem eu queria. Aliás, nem sei se essa pessoa sabe que hoje é meu aniversário.
Vou pra cama pensando na chuva daquele dia, na chuva que marcou aquele momento que foi único pra nós dois. Chuva essa que se contrasta com a aridez de hoje, de mim.
Sozinho, dormirei.

sábado, 26 de julho de 2008

Será mesmo um feliz aniversário?

Faltam poucas horas para meia-noite. Amanhã é dia 27 de julho, dia do meu aniversário. Completarei 23 anos. Não pensem que a inauguração desse blog foi propositalmente marcada para essa data, porque não foi. Isso realmente é uma mera coincidência.

Nesse mesmo dia, há um ano, viajando devido a um congresso, essa data foi comemorada com uma enxaqueca daquelas. Sim, é verdade... voltando para o hotel, minha amiga tentava me convencer para sairmos e comemorarmos, até porque estávamos numa cidade diferente e o clima seria propício para isso. Entretanto, me recusei, pois já estava com aquela dor insuportável. Como era noite e não conhecíamos bem a cidade, ficamos perdidos. Ao vermos um rapazola parado em um ponto de ônibus, paramos o carro, pedimos a localização do hotel o qual estávamos hospedados e ele, singelamente, disse que ficava próximo da escola a qual estava indo, pedindo para que déssemos uma carona a ele. Minha amiga, a motorista, me olhou como se me perguntasse "será que ele é perigoso? E se ele nos assaltar?". Mas num piscar de olhos, percebemos que ele era mais inofensivo do que um filhote de gato. Ao entrar no carro, ele puxou conversa, disse que era muito complicado ter de ir à escola, pois tinha que pegar dois ônibus diferentes para conseguir chegar ao destino desejado. De repente, ele se dirigiu a mim, perguntando: "e o senhor, é esposo dela?". Mal sabia ele que minha amiga é bem mais velha que eu e, naquele dia, eu tinha acabado de completar 22 anos, e, pra mim, seria bastante estranho ser "esposo" com essa idade. O fato é que ele nem havia visto meu rosto e, ao me virar pra trás e dizer "não, somos apenas amigos", ele se desculpou, pois havia percebido que de "esposo" eu não tinha nada. Dobrávamos esquinas e mais esquinas, parávamos em diversos semáfaros e nem o destino dele nem o nosso queria dar as caras.

Havia algo naquele percurso que me incomodava. Não era exatamente a dor que me atacava a cabeça, mas um cheiro... um cheiro conhecido, que ao mesmo tempo era bom e ruim. Alguns segundos depois, percebi que o tal cheiro vinha do garoto. Isso mesmo, era dele esse cheiro, mais especificamente do cabelo dele. Provavelmente era um condicionador de marca Neutrox que eu usava quando criança. O mais engraçado era o fato de eu me lembrar exatamente do odor desse produto sem ao menos ter contato com ele por, pelo menos, uns 12 ou 13 anos! No entanto, os problemas estavam apenas começando. Esse cheiro era algo que me incomodava, me fez voltar no tempo e relembrar de muitas coisas boas e ruins também. Acontece que não contive as lágrimas que, inesperadamente, começaram a brotar dos meus olhos. Tratava-se de um choro calmo, sem nariz escorrendo.... eram apenas lágrimas, as quais, por sorte, não podiam ser vistas por nenhum dos dois dentro do carro, pois era noite. Esse garoto, de uns 16 anos, com o passar dos quarteirões, era exatamente o oposto daquilo que suspeitávamos a princípio, isto é, de que ele poderia ser perigoso. Escorregando um pouco nas conjugações nominais, ele nos guiava: "agora a senhora segue mais dois quarteirão e vira à esquerda...". Isso era o de menos. Provavelmente devia ser um garoto de família humilde, pois, embora ele usasse o uniforme da escola, não usava nenhuma blusa de frio, e naquela noite estava muito frio mesmo. Ele disse que não estava com frio não, mas... sei lá, só sei que esse garoto foi o suficiente para me deixar inquieto. A gentileza e a educação dele me atraíam... era algo engraçado, como se eu pudesse fazer algo pra ajudá-lo, além de ter dado a ele aquela carona até a escola. E aquele cheiro, meu Deus, aquele cheiro... me remetia às mais distantes lembranças...

Chegamos a tal escola. Ele desceu do carro, nos agradeceu, minha amiga agradeceu pela ajuda, e eu fiquei apenas a olhá-lo. Ela acelerou, virei pra trás e o vi atravessar a rua, carregando um caderno e um estojo pequeno. "Adeus", pensei. E o cheiro não queria me deixar em paz, continuou me cercando até eu sair do carro, já no estacionamento do hotel, tentando, agora, enxugar as lágrimas pra que ninguém visse.

Elevador, terceiro andar, corredor, chave eletrônica, maçaneta, interruptor, cama. Me joguei com o cara no travesseiro e chorei, chorei, até soluçar. "Ninguém podia me ouvir mesmo", pensei. Aquilo era um desabafo por tudo o que tinha acontecido naquele dia, naquele carro, durante aquele ano todo, durante aqueles 22 anos que eu não podia impedir que se completassem.

Até que o telefone tocou. Era minha amiga perguntando se eu tinha melhorado e se havia mudado de idéia quanto à comemoração "daquele dia super importante", na concepção dela. Recusei, é óbvio, e fiquei ali tentando olhar através da janela, que estava meio emperrada. Era uma noite fria. E assim, passou-se mais aquela noite, marcada por uma intensa dor de cabeça, um garoto e um cheiro.